STJ: Estar na rua diante de um ponto de tráfico não justifica a abordagem policial.
- 31 de outubro de 2024

a percepção ou suspeita subjetiva do policial, sozinha, não justifica a busca pessoal. É preciso ter elementos objetivos e concretos para atender ao requisito de "fundada suspeita" do art. 244 do CPP.
- Por Guilherme Perlin .
- Em Destaques, Jurisprudência, Texto
No julgamento HABEAS CORPUS Nº 871878 – RS, o Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR do STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou que, a percepção ou suspeita subjetiva do policial, sozinha, não justifica a busca pessoal. É preciso ter elementos objetivos e concretos para atender ao requisito de “fundada suspeita” do art. 244 do CPP.
Eis a decisão:
HABEAS CORPUS Nº 871878 – RS (2023/0426285-0)
EMENTA
HABEAS CORPUS. WRIT IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO.
SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE.
BUSCA PESSOAL, FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. PACIENTE QUE ESTARIA EM FRENTE A UM PONTO CONHECIDO COMO DE TRÁFICO. NULIDADE NAS PROVAS POR ILEGALIDADE NA BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIA INVESTIGAÇÃO OU SITUAÇÃO CONCRETA PARA A BUSCA PESSOAL. ILEGALIDADE FLAGRANTE.
ABSOLVIÇÃO.
Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Elisandro de Moraes Angelo, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos autos do recurso de Apelação Criminal n. 5024119-89.2022.8.21.0039/RS.
Consta do processo que o paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, à pena de 6 anos de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 530 dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, c/c o art. 61, I, do Código Penal, em face da apreensão de 15 g de cocaína e 5,3 g de crack (fls. 30/38).
A Corte de origem negou provimento ao recurso (fls. 16/29).
Neste writ, alega a impetrante que o presente caso é de ilicitude na busca pessoal, por ausência de fundada suspeita. Requer, assim, a nulidade das provas e a absolvição do paciente e, de forma subsidiária, a desclassificação para o art. 28 da Lei de Drogas (fls. 3/15).
Decisão indeferindo a liminar (fls. 92/93).
Foram prestadas informações (fls. 99/145).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ e, se conhecido, pela denegação da ordem (fls. 150/161).
É o relatório.
Conforme se verifica dos autos, a condenação transitou em julgado em 23/11/2023, e o presente writ foi impetrado no mesmo dia, de maneira que esta impetração é substitutiva de pedido revisional e, portanto, incabível.
Com efeito, nos termos do art. 105, inciso I, alínea e, da Constituição da Republica, compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir, originariamente, as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados.
Sobre a questão, cito os seguintes precedentes: AgRg no HC n. 853.777/SP, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 29/2/2024; e AgRg no HC n. 847.051/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 5/10/2023.
Não obstante, verifico a existência de flagrante ilegalidade apta a ensejar a concessão de habeas corpus de ofício.
Disse o acórdão atacado (fl. 19):
Preliminarmente, a Defesa Pública arguiu a nulidade do feito diante da ausência de fundada suspeita para os policiais terem iniciado a abordagem do acusado, bem como terem realizado a busca pessoal.
Ocorre que tal tese não se sustenta. Isso porque, a iniciativa dos policiais se deu pela suspeita do réu estar em frente a um ponto de tráfico de drogas, já conhecido pelos policiais.
Além do mais, o crime de tráfico é multinuclear, que abrange o estar em depósito e guardar a droga, podendo existir o flagrante a qualquer tempo. Portanto, entendo por afastar a preliminar suscitada, devido ao fato deque a revista pessoal se deu mediante fundada suspeita, por conseguinte, não havendo o que se falar em nulidade na busca pessoal.
Conforme se verifica, a busca pessoal não foi devidamente precedida de fundadas razões que a justificavam. Os policiais estavam em patrulhamento quando suspeitaram do paciente pelo fato de ele estar em frente a um ponto de tráfico de drogas já conhecido dos policiais. No entanto, não consta dos autos qualquer prova de algo que tenha trazido desconfiança por parte dos policiais e, quando feita a busca pessoal, foi apreendida uma quantidade pequena de drogas. Não houve nenhuma investigação prévia ou uma fundada suspeita da ocorrência de tráfico no local, além do simples fato de se tratar de um local conhecido como sendo de ponto de tráfico.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NULIDADE. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS PARA A ABORDAGEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. “Não satisfazem a exigência legal [para se realizar a busca pessoal e/ou veicular, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e. anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de ‘fundada suspeita’ exigido pelo art. 244 do CPP” (RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022).
2. No caso em tela, a abordagem foi realizada em razão do suposto comportamento suspeito do paciente, que, em estabelecimento comercial conhecido como ponto de tráfico de drogas, teria apresentado nervosismo ao visualizar os policiais, o que, conforme decidido no Recurso em Habeas Corpus n. 158.580/BA, não é suficiente para justificar a busca pessoal, que resultou na apreensão de 30g (trinta gramas) de maconha; 2g (dois gramas) de cocaína; e 32 comprimidos de ecstasy, porquanto ausentes fundamentos concretos que indicassem que ele estaria em posse de drogas, de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.3. Agravo regimental desprovido.
( AgRg no HC n. 822.332/PR, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 21/3/2024).
Nesses termos, mostra-se ilegal a busca pessoal realizada na hipótese dos autos.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo, de ofício, a ordem para anular as provas obtidas na Ação Penal n. 5024119-89.2022.8.21.0039/RS e absolver o paciente.
Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
Brasília, 14 de maio de 2024.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator
( HC n. 871.878, Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 16/05/2024.)
Base Legal: HABEAS CORPUS Nº 871878 – RS.
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