Como é Feita a Diferenciação Entre Traficante e Usuário?
- 19 de março de 2024
É sabido que no nosso direito penal, com a aplicação da lei de drogas (Lei 11.343/2006), foi prevista uma divisão entre quem é traficante ou somente usuário. Caso a lei for olhada com mais minúcia, não foi inserida muita diferença entre as ações de tais condutas, que as diferenciam de forma expressiva.
- Por Guilherme Perlin .
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É sabido que no nosso direito penal, com a aplicação da lei de drogas (Lei 11.343/2006), foi prevista uma divisão entre quem é traficante ou somente usuário. Caso a lei for olhada com mais minúcia, não foi inserida muita diferença entre as ações de tais condutas, que as diferenciam de forma expressiva.
Tais condutas tipificadas ficam de maneira muito semelhantes, repetindo inclusive alguns dos verbos. Assim, dependendo da situação em que o usuário se encontra, o mesmo pode ser confundido como traficante. Mas de que forma um é diferenciado do outro? O artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 que tipifica a conduta do tráfico de drogas, foi escrito de forma genérica e descreve todas as possibilidades que envolve o consumo e manuseio da droga, assim tornando difícil em certos casos saber a diferença entre o usuário e o traficante.
Para esclarecer a diferenciação entre o traficante e usuário, a Lei nº 11.343/2006 deixou prevista em seu artigo 28, § 2o alguns critérios a serem observados para determinar tal ato:
“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente“.
Mesmo que a lei adote métodos para a avaliação, os seus verbos são genéricos e não suprem a todos os casos concretos que aparecem nos tribunais no país. Portanto, com o passar do tempo foi se adotando outros critérios nas jurisprudências dos tribunais para também serem avaliados, a fim de chegar ao entendimento se o acusado é ou não usuário.
Primeiramente, temos que entender a definição de droga. Conforme o site do DENARC-PR (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), classifica a mesma como: “Droga é o nome genérico dado a todos os tipos de substâncias, naturais ou não, que ao serem ingeridas provocam alterações físicas e psíquicas”. Portanto, por essa definição, alguns medicamentos também estariam classificados como droga.
Mas como se sabe se tal substância é droga ou não? Na lei de drogas foi prevista em seu artigo 66 º , que as substâncias que seriam proibidas ou teriam o seu uso controlado no Brasil estão incluídas na Portaria SVS/ MS nº 344 de 12 de maio de 1998, o qual é atualizada periodicamente. Assim, qualquer substância prevista em tal portaria é classificada como droga, pela referida Lei. Assim se a substância não estiver presente nas listas definidas pela Portaria não podem ser consideradas como uma substância ilegal.
Outro requerimento a ser observado previsto na lei, refere-se à quantidade da droga apreendida, a qual, sem dúvida é um dos principais fatores que vai diferenciar o traficante do usuário de drogas. Deve-se ressaltar que apesar da lei relatar que deve ser observada a quantidade da droga, percebe-se a inexistência de limite ou referência a fim de indicar a quantidade considerada suficiente para uso pessoal ou tráfico, gerando dúvidas quanto à classificação quanto à usuário ou traficante.
Em um julgado importante, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, concedeu de ofício o Habeas Corpus no 144716/SP, adotando um entendimento do que seria uma pequena quantidade de droga destinada a consumo pessoal: para consumo médio diário equivalente a 0,1 grama (tratando-se de heroína), 0,2 gramas (tratando-se de cocaína) e 2,5 gramas (tratando-se de maconha). A quantidade devia ainda ser multiplicada por 10, correspondente a um período de 10 dias.
Deve ser lembrado que tal entendimento adotado não tem força vinculante e tampouco é adotado por todos os tribunais do país, porém é um dos poucos critérios existentes na jurisprudência com relação à quantidade que diferenciaria o traficante do usuário de drogas.
A variedade das drogas também é um dos critérios que deve ser analisado, uma vez que o usuário dificilmente teria mais de um tipo de substância ilícita para consumo próprio; ao contrário do traficante, o qual poderia dispor de drogas diferentes com a finalidade de comercializá-la ao invés de consumo, diferentemente do usuário.
Outros critérios que devem ser avaliados se dependendo do caso concreto, são em relação ao local de apreensão, condições em que se desenvolveu a ação, circunstâncias sociais e pessoais, conduta e antecedentes do agente, uma vez que variam caso a caso. Na apreensão, são observados diversos fatores, como: local onde se encontrava a droga, se ela estava com o agente, em sua casa, veículo, entre outros e, dependendo do local poderia ser definido se seria para uso próprio ou comercialização.
Sobre as condições em que se desenvolveu a ação, deve ser visto se a apreensão da droga ocorreu por meio de flagrante, em local conhecido por ser de intenso tráfico de drogas, entre outros. Nas circunstâncias sociais e pessoais, é observado se o acusado possui trabalho legal, tem renda compatível com seu estilo de vida, não integra organização criminosa, entre outros que comprovem ou não se pratica habitualmente conduta criminosa. Por último, com relação à conduta e antecedentes do agente, é observado os antecedentes criminais e seu comportamento em sociedade, a fim de avaliar se não apresenta nenhum risco.
Outras formas de avaliação de indícios de tráfico e que não são previstas na lei de drogas, porém usadas em tribunais em suas jurisprudências para considerar a conduta como tal, são a existência de grande quantidade de dinheiro em forma física, ainda mais se encontradas fracionadas em notas pequenas, sem possibilidade de comprovação da origem, de forma lícita pelo acusado.
Pelo fato de que no tráfico de drogas se utilizam muito aparelhos celulares e listas nominais e, no caso de tais equipamentos serem encontrados em grande quantidade, e se não houver justificativa para a finalidade, também pode ser considerado como indício de tráfico.
Ainda, no caso de serem encontrados materiais que são normalmente usados para produção e comercialização de drogas, como balança de precisão, a qual é muito utilizada para medição da droga, além de aparelhos e equipamentos de laboratórios e embalagens de plástico sem justificativa plausível para sua utilização, ou que seriam usados para outra finalidade a não ser a fabricação e a comercialização delas.
Uma ressalva interessante é que um dos critérios para ser considerado tráfico deve haver a finalidade de comercialização. Caso encontrado em grande ou pequena quantidade e for para consumo próprio, pode ser considerado como usuário, segundo o artigo 28, § 1o da Lei 11.343/2006:
“Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”.
Como foi demonstrado, a diferenciação entre usuário e traficante é difícil, devendo sempre haver análise das circunstâncias e todos os seus critérios, os quais sempre variam de um caso para outro. Para que se possa buscar a solução, sempre deve ser interpretados uma variedade de critérios, a fim de que se busque a diferenciação entre o traficante do usuário.
Guilherme Perlin Silva, Advogado Criminalista
Referências:
[1]. Bitencourt, Cezar Roberto Código penal comentado / Cezar Roberto Bitencourt. – 10. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[2]. Nucci, Guilherme de Souza Código penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
[3]. Greco, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017. Pág. 961.
[4]. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/lei/l11343.htm (Acesso em 26/07/2022).
[5]. https://www.policiacivil.pr.gov.br/DENARC (Acesso em 26/07/2022).
[6]. https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho750643/false (Acesso em 26/07/2022).
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